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quinta-feira, 20 de junho de 2013

CIÊNCIA PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA

Motivado pelo tema de um evento que reuniu nesta semana Academias de Ciências de todo o mundo no Rio de Janeiro, Carlos Alberto dos Santos comenta em sua coluna de março o papel da educação na base do desenvolvimento científico e a importância da integração regional nesse setor.

A educação superior é a base para a construção do sistema científico e tecnológico de qualquer país. (foto: Sxc.hu)

Ciência para a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável foi o tema da VII Conferência e Assembleia Geral da Rede Global de Academias de Ciências (IAP), realizada entre os dias 24 e 26 de fevereiro de 2013 no Rio de Janeiro. É óbvio que a limitação contextual do título é apenas circunstancial. Os organizadores do evento decerto compartilham da ideia de que é a ciência transformada em tecnologia o principal vetor para a erradicação da pobreza.

Mas, para além desse viés conceitual, o tema obrigatoriamente nos remete a questões educacionais, que em última instância são o suporte para os sistemas científicos e tecnológicos (C&T) de qualquer país. Ou seja, a um bom sistema de C&T deverá anteceder um bom sistema de educação superior, que, por sua vez, deverá ser antecedido de um bom sistema de educação básica.

A um bom sistema de C&T deverá anteceder um bom sistema de educação superior, que, por sua vez, deverá ser antecedido de um bom sistema de educação básica

Sendo esse evento o cenário básico do escopo desta coluna, permito-me a ele dedicar algumas reflexões de cunho sociopolítico, tendo como foco a integração da América Latina e do Caribe, região indiscutivelmente carente dos benefícios tecnológicos correntes e usuais nos países mais avançados.

De imediato, destaco o fato de que, com exceção dos brasileiros, apenas dois representantes de países latino-americanos e caribenhos (Nicarágua e México) participaram do encontro na qualidade de relator ou palestrante. Seria isso o simples reflexo da baixa representatividade da região na comunidade científica internacional? Qualquer que seja a razão, aqui se tem mais uma motivação para tratar a questão do ponto de vista integracionista.

Apenas pelo interesse conceitual, olhemos para a Comunidade Europeia (CE), tangenciando os acontecimentos políticos e econômicos dos últimos cinco anos. Não há como negar, do ponto de vista puramente heurístico, que os planos estratégicos da CE são consistentes com a formação de uma comunidade regional.

No âmbito da educação superior, esses planos estratégicos foram sistematizados noProcesso de Bolonha

,  acordo firmado em Portugal em 1999 por ministros de 29 países europeus. Inicialmente denominado Declaração de Bolonha, o acordo teve como objetivo o estabelecimento, até 2010, de um Espaço Europeu de Educação Superior (EEES) coerente, competitivo e atrativo para estudantes europeus e de outras regiões. A construção do EEES sempre foi considerada peça fundamental para promover a mobilidade e a empregabilidade dos cidadãos, elementos definidores de uma comunidade regional.

Com essas iniciativas europeias em mente e a integração latino-americana e caribenha como objetivo, seremos levados a supor que os notáveis retrocessos no estabelecimento de uma comunidade regional neste lado de cá do oceano atlântico podem ter a ver com o fato de que ainda não temos, pelo menos de modo efetivo, algo como o Processo de Bolonha, ou um Espaço Latino-americano e Caribenho de Educação Superior.

No âmbito do Mercosul, a Comissão Regional Coordenadora de Educação Superior (CRC-ES) assemelha-se ao Processo de Bolonha. Mas sua atuação tem baixa visibilidade e poucas iniciativas lhe são atribuídas, como a louvável criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior do Mercosul (Nepes). Entre os objetivos do Nepes, destaca-se a promoção de investigações intrarregionais que tenham por objeto a problemática da educação superior no Mercosul e sua contribuição para a integração regional.

Ainda há poucas iniciativas no âmbito educacional para promover a efetiva integração da América Latina e do Caribe em uma comunidade regional. (foto: Sxc.hu)

Por outro lado, o Programa Latino-americano de Física (Plaf), que tem entre seus objetivos facilitar e encorajar a circulação de estudantes de física entre as instituições de ensino e pesquisa da região e apoiar e estimular atividades durante a formação em física em todos os níveis, aparentemente não tem conexão com a CRC-ES.

É provável que essa desconexão tenha resultado da baixa visibilidade da Comissão, uma vez que a principal justificativa para sua existência é perfeitamente consistente com a parte educacional do Plaf, ao ressaltar que, no âmbito da educação superior, a necessidade de espaço acadêmico regional, a melhoria de sua qualidade e a formação de recursos humanos constituem os elementos essenciais para estimular o processo de integração.

Desvincular a formação de professores de ciências das metas integracionistas nos parece incoerente com a implementação de colaborações científicas e tecnológicas de alto nível

Outro caso de aparente desconexão entre objetivos e ações são os rumores de que gestores de alguns países latino-americanos e caribenhos não gostariam que seus professores da educação básica fossem formados em outros países. Se isso não passar de mito, convém que a situação seja contornada o mais breve possível, pelo menos no que se refere à formação de professores de ciências da natureza, o lastro do sistema de C&T. Esse tipo de resistência não se coaduna com a meta da CRC-ES de implementar ações na área de formação docente em conjunto com a Comissão Regional Coordenadora de Educação Básica.

Desvincular a formação de professores de ciências das metas integracionistas, como sugerido pelos rumores acima, nos parece incoerente com a implementação de colaborações científicas e tecnológicas de alto nível.

A contribuição da C&T para a erradicação da pobreza em escala regional, precisamente na América Latina e Caribe, depende em larga medida do efetivo estabelecimento de um espaço educacional, científico e tecnológico que propicie a implementação de colaborações em cada uma dessas áreas e facilite a mobilidade e a empregabilidade dos cidadãos independentemente do seu país de origem na região. 

Carlos Alberto dos Santos

Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana

Ciência Educação Relações internacionais

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